27.2.12

da entranha para estranha

dois familiares acabam de deixar a sua casa para viver num lar.
ontem foi Domingo e visitei um lar pela primeira vez. misto de sensações. más e estranhas. deixar quase tudo para trás e passar a viver num sitio não escolhido. como se faz?
assisti à hora do lanche (há hora para lanchar), wc partilhados e muitos objetos não pessoais que denotam um gosto que não enquadro. novos cheiros. novas luzes e gemidos. fase de adaptação. com apenas 50. aos 70, aos 80. depois de uma crise. após um acidente. quando já não é seguro viver desamparado, porque o equilíbrio não chega para ir com sucesso ao wc.
ali habita a consciência, a inconsciência e algo inexplicável. mundos e realidades muito diferentes dormem no mesmo tecto, usam o mesmo sofá, almofadas. em comum, a dependência. expostos. carentes. cansados. sem alento. e à espera. da visita, do passeio. da hora de dormir. da hora do sono sem acordar. porque no dia em que nascemos, sabemos que começamos a morrer. apenas não sabemos esse dia. para cada sombra humana há uma data certa. correlação macabra.
na volta uma certeza: uma parte de nós nem chegará a esta fase. outros chegarão conscientes e outros entre o hospital e um lar, também à mercê, andarão transportados. outra parte há que será saudável, lúcida e mais resistente à demanda. mas ainda assim, viverá para ser dependente.
nascemos carentes, despidos e vulneráveis. é muito provável que acabemos numa cama, expostos, mais sós, mais reais. voltamos a ser vulgares e despersonalizados.
"era doutora, funcionária pública." "foi um sr com muito dinheiro. a familia roubo-lhe tudo. um familiar avançou para o tribunal." "tem muito património, mas morreu o marido, deprimiu e ficou assim. tem apenas 52." "não recebe visitas. puseram-no aqui e nunca mais cá voltaram".
podia fazer aqui uma paródia, porque na velhice ri-se. e hei-de contar o que assisti, digno de partilha. mas o cru daquelas horas quero congelar agora. como saímos das entranhas e nos tornamos pessoa estranha?

noutra ponta da cidade, ainda nem passadas 24 horas, hormonas ao rubro pelos corredores de uma faculdade. grupos no café, uns ao Sol. os livros para estudar, a palmada nas costas, a sensualidade, o encantamento. o romance. a beleza. o tique, o jeito. a preocupação com o cabelo. o penteado. o padrão da roupa. ou a diferença pelo estilo. o perfume misturado com o suor. os olhares atentos. a conquista.
todo o esforço é para o futuro. não há tempo para chegar a horas à aula. o mundo das descobertas a nascer a cada instante.
o contraste da nossa vida. e a consciência de que um dia, numa provável correlação significativa, estamos no mesmo lar. no mesmo hospital. na mesma situação. na mesma montra. na mesma carência. na mesma dependência.
duvido que naquelas veias se vislumbre uma só célula com uma pequena visão que seja do caminhar para a realidade do passado.

certeza, nascemos e morremos sós.

horas depois, numa escola básica. paredes forradas a testemunhos de constantes produções: mãos pintadas e calcadas sobre telas, balões pendurados, desenhos da praia, da bola, da borboleta, da moto, do castelo, do passeio. onde mora a cor. brinca-se pelo chão, à bola, salta-se, as pernas dobram-se como borracha e os sorrisos soltam-se sem comando. debaixo de regras, mas acima da força de qualquer ruga ou expressão de zanga. sinfonia de gritaria da miudagem que brinca sem noção do tempo, porque se vive o presente. o presente do momento da brincadeira. amanhã há mais. amanhã brincamos, está bem?

25.2.12

suspiro de gemido

ouvidos de tísico
escutaram o pedido.
sem movimento algum,
único suspiro de gemido.

senti nascer aí longe
sorriso pequeno contido.
real no meu peito,
em meu íntimo refundido.

leve respirar.
baixo, baixinho...
aproxima-te mais.
devagar, devagarinho.

solta os lábios
dessa tensão maior,
cheira um pouco de carinho,
precisas d'um corpo melhor.

larga o peso
e aproveita a força dada pelo vento,
faz esse voo até mim,
para um abraço com alento.

22.2.12

home office IV

salpicos românticos. almofada de flores ou flores no tampo? e quando escolhemos o telefone, moderno ou antigo?
quando for grande gostava de ter um telefone daqueles da minha infância, com roda, em que cada cada vez que um número é marcado, a roda gira. gira a roda e marcamos um novo número. daqueles com um trimmmmmmmmmmm grande, que se ouve mesmo no banho. que nos faz correr para atender antes que toda a vizinhança acorde.
nada sofisticado. talvez simples e ousado. ai quando for grande...

21.2.12

ao fim e ao cabo...

... a vida são dois dias e o Carnaval está a chegar ao fim.
parece-me inevitável. não desisto de arrancar um sorriso, um olhar direito que seja. não pretendo saber a idade da alma. mas quero soltar. soltar esses "eus" deixados algures, que se esqueceram de si.
escutas esses ais que gemem aí dentro? como em mim e em outros, eles existem. não fujas desse grande pedaço que estará sempre do teu lado. porque vais precisar dessa força. e caso te afastes muito, um dia esbarras em ti mesmo. parece-me que os pequenos avanços na vida se fazem nesses momentos, quando estás só, quando acendes as luzes sobre os medos, ouves os fantasmas e dás o espaço que precisas. afastas um minuto do outro para enfim te teres, te veres, apareceres. afastas o espaço quando te aproximas de ti. e até ao fim desta festa, tu terás-te sempre a ti.

18.2.12

relax_amento com arte

ali mais uma. grátis. custou-me o tempo. conheci mais uma galeria de arte, num grupo de pessoas desconhecidas. contemplei um olhar de Paula Rego que trago agora na galeria interior.
ali a mudança. simples mudança. simples soma. zero subtração.
ali a olhar para dentro de mim. foco nos meus músculos e tensões. a viajar no meu mundo. estive comigo. perto da minha respiração, dos meus poros. prezo muito isso. sozinha e serena.
ali conduziram-me. ligou o som. organizou. fui recebida. por isto sou grata.
ali recebo. recebo-me. confirmo a certeza de que basta querer, dedicação, tempo e usar os recursos internos para me encontrar. troco tempo. vivo a oportunidade de poder relaxar. usando-a ou não.
ali relaxei. concentrada para enviar as preocupações para o espaço.
ali voltei. agora de olhos mais abertos. é o contexto da minha realidade e do mundo. um pouco tonta, fria, mas com os sentidos mais despertos, atentos a outros pormenores: às cores, texturas, espessuras, sensações, luz e intensidades.
ali volto à rua. em Lisboa, cidade onde me encontro sempre.

8.2.12

sem respiração possível


o sofrimento corta-nos literalmente o poder de mantermos uma respiração saudável. às vezes nota-se a tristeza pela voz sumida. outras nos ritmos mais acelerados com que as palavras são ditas.  os olhos não nos seguem. e no fim, há duas mensagens: aquela que nos tenta convencer, e a outra que não condiz com a primeira. tantas vezes nos enganamos a nós próprios que chegamos a acreditar que podemos sempre enganar os outros sobre a verdade do que sentimos. quando a tristeza invade a nossa noite e depois o dia, parece-me que é muito difícil enganar o mundo de que está tudo bem e de que a nossa respiração está diferente apenas porque estamos mais cansados ou apressados. experimentem parar um pouco e sentir as respirações à vossa volta. talvez consigam notar melhor as mensagens contraditórias e detetar sofrimento alheio.

6.2.12

curriculum vitae I

"cv suficentemente sexy?" explico. fazer um curriculum vitae que venda dá algum trabalho porque esta é a peça através do qual o recrutador nos quer conhecer. tudo bem. deve ter estrutura e imagem apelativas, ser simples, claro, objectivo e aspeto "clean" (ou seja, limpo). e se tiver de ser "sexy"? vejamos: "Facilite o trabalho de quem vai ler o seu CV e demonstre que sabe como fazer chegar a sua mensagem. O seu CV deverá ser sexy o suficiente para gerar curiosidade no entrevistador em conhece-lo pessoalmente!"
ok, apelativo, charmoso, um "bom isco". hum, talvez não fosse bem isso que quisesse dizer. ou seria?
será que está relacionado com a qualidade da foto? bem, um documento com uma imagem é sempre mais apelativo. depende da foto, claro!
a importância das informações pessoais (ainda no mesmo site): "Além das informações relativas às qualificações, os empregadores também necessitam de saber informações mais pessoais do candidato, nomeadamente, estado civil, nacionalidade, hobbies e interesses e se tem ou não carta de condução e/ou carro." esta questão parece mais clara para o candidato. acerca disto digo-vos que, já estive num recrutamento de uma empresa textil portuguesa muito famosa e saí de lá escandalizada com certas questões, achei um abuso: "qual a profissão do namorado? a profissão do pai? a profissão da mãe?". então sou melhor candidata para a função se o meu namorado/a for artista de circo ou político? esta dúvida permanece.
estas dicas são de uma empresa portuguesa de recrutamento e acho que mereciam uma revisão.

p.s. já agora, se o atributo sexy do cv já tiver resultado com alguém, digam-me porque vou investigar melhor o tema.

3.2.12

slow reading e How to Talk About Books that You Haven’t Read

qual é o seu modo de leitura? lento? rápido? na diagonal?
parece existir uma nova tendência na comunidade científica "Keith Thomas, historiador em Oxford, afirma estar perplexo com seus colegas mais novos, que analisam fontes com um mecanismo de busca, em vez de lê-las em sua totalidade."
Nicholas Carr, autor do livro The Shallows, refere que "os hábitos online estão danificando as faculdades mentais necessárias para processar e entender informações textuais mais longas."
porquê? "Os feeds de notícias a toda hora mandam o leitor de um link para o outro – sem que ele, necessariamente, se aprofunde em algum conteúdo. A leitura é frequentemente interrompida com a chegada do último e-mail, e, agora, o internauta ainda absorve pequenas rajadas de palavras no Twitter e no Facebook."
assim, pode querer dizer que, embora "por conta da internet, nós tenhamos nos tornado bons em coletar uma ampla gama de petiscos, também estamos gradualmente esquecendo como sentar, contemplar e relatar fatos." e esta hein?!

cada pessoa terá o seu método de leitura. no entanto, nem todos temos as mesmas necessidades quando o fazemos. deve ler devagar quando pretende e.g., "uma experiência profunda com um livro" ou "internalizar isso, para misturar as ideias dos autores com as suas próprias e fazer disso uma experiência pessoal", quem o diz é, diz John Miedema, autor de Slow Reading."

já agora, parece que é possível falar apaixonadamente de um livro que na verdade não se leu: "O professor de Literaura Pierre Bayard escreveu um livro sobre como os leitores podem formar opiniões válidas sobre um texto que apenas folhearam: “É possível ter uma conversa apaixonada sobre um livro que não se leu”, disse ele em How to Talk About Books that You Haven’t Read, sugerindo que esse blefe está ainda “no coração do processo criativo”."

alguém chegou até aqui? boa! talvez seja adepto do movimento slow reading.
hum, que dirá o Professor Rebelo de Sousa acerca disto?

2.2.12

II - Quando os sonhos ganham forma - Entrevista a Sara Farinha

alguém comentou acerca do post anterior "tenho pena que não tenham abordado na entrevista essas questões que abordas: como criar o espaço para escrever numa vida sem espaço?"
imagino que seja complicado na azáfama do dia-a-dia dedicar tempo de qualidade ao que gostamos de fazer ou a um projecto que queremos realizar.
de qualquer forma, a Sara Farinha tem outra entrevista em que faz uma descrição das rotinas e, na minhha opinião, dá uma certa ideia de algumas coisas que é preciso fazer (em alguns casos, mudar) para dar um passo importante no alcance do futuro.

partilho um excerto:

"(...) 4 - Tens uma rotina ou horário de escrita ou deixas simplesmente a imaginação fluir?Tenho rotinas distintas, dependendo do projecto em que esteja a trabalhar no momento. Como mantenho um trabalho diário com um horário normal, as noites e os fins-de-semana são os tempos que tenho para me dedicar à escrita. Diariamente, procuro escrever(...)".

ver aqui http://milestrelasnocolo.blogspot.com/2011/12/entrevista-sara-farinha-autora-de.html
nota: a foto é daquelas que encontro na net e guardo quando gosto. foi de um blog, mas já não me recordo de qual, por isso não aparece identificada.

as minhas magic

hoje sim, é Inverno! um daqueles dias em que o frio atravessa a porta, a roupa, a pele, atinge os ossos e se formam mais estalactites nos narizes.
descanso às pernas para as voltas da manhã e mentalizada para começar a redigir a minha tese de mestrado. é hoje. parece-me o ideal para descongelar os neurónios e começar a estruturar aquele que é esperado ser para mim o trabalho mais importante de 2012.
já li muita coisa, assisti a defesas, já conversei e desconversei sobre o tema, já tentei começar a capa, mas o mais importante é que, já tenho as peças que me faltavam: umas luvas magic improvisadas por mim. e o que são luvas magic? julgo que é qualquer par de luvas elásticas. já umas "luvas-magic-improvisadas-por-mim" são outra coisa. conhecem as luvas sem pontas de dedos? faltava-me um par desse tipo para manter a função de quente e ainda "dar-para-trabalhar".
com a vantagem de só não terem terminais dedais apenas em cinco dedos: 3 na direita e 2 na esquerda. é o que basta para escrever este post! algumas friorentas e friorentos devem compreender-me. guerra ao frio!

p.s. bem, houve + uma motivação extra, é que encarecidamente já tenho o corrector ortográfico actualizado, i.e., com o novo acordo ortográfico. embora se confirme o meu diagnóstico "alérgica ao novo acordo ortográfico", um facto é que tenho de acompanhar as mudanças (porque não tenho opção para a escrita da tese) e, se o mal não tem remédio, remediado está, olé!

1.2.12

Quando os sonhos ganham forma - Entrevista a Sara Farinha

imaginem que desejavam ser escritores, por onde começavam?
agora imaginem que trabalham 8 horas por dia, têm um vida perfeitamente "normal" (não tão normal, por favor) e perseguem o vosso sonho. esta é a entrevista de alguém que o fez. recomendo-a. cuidado é inspiradora!

sigam este link http://d311nh4.blogspot.com/2012/02/entrevista-sara-farinha.html#comment-form



p.s. "if opportunity doesn't knock, build a door."