10.6.07

Pijamas azuis


O azul da roupa não é o mesmo azul de sempre.
Vestidos com o pijama azul, somos todos iguais. E no dia a dia como em Lisboa, sobra tão pouco tempo para apreciar o azul, o da vida.
Dei por mim num quarto branco e com camas brancas, com pessoas deitadas com visitas. Não se falava do outrora, muito menos do futuro, apenas do agora.
Na tv jogava Portugal, passavam pessoas no corredor, minutos que parecem horas, ou horas que parecem minutos.
Numa cama alguém quase sem auto-estima, um desgosto de amor foi o último estímulo para com ácido ficar sem ésofago, estômago e aumentar o desânimo pela vida.
Noutra, várias facadas de um amigo perfuraram pulmões jovens.
Noutra, alguém se movimenta de cadeira-de-rodas, sem metade de uma perna e com o maior sorriso daquele quarto.
Amigo, tens cancro, estás magro, amarelo, desanimado, com olhar baixo, sem respostas e com vontade de sair daí para fora. Está-te a faltar a força.
Olho-te e vejo-te na minha frente, à mesma altura que eu. Sorrio-te para que possas perceber que estou ali por ti. Toco-te, abraço-te e espero que saibas que o faço sem nunca me esquecendo de ti. Da tua boa vontade, da vivacidade dos teus 60 anos, pelo que já batahas-te neste mundo.
Acaba a visita, partimos e tu partes connosco. Sinto o quebrar do teu coração quando saímos por aquela porta amarela pelo tempo. Tempo que te falta.
A vida não é uma fase. Ainda que enfraqueça o espírito de qualquer um, ainda que cause um sofrimento sem futuro e faça parecer que nada nos alimenta a alma, a vida não se resume a vigiar a temperatura corporal muitas vezes ao dia, respirar oxigénio puro ou receber energia por um tubo.
A esperança não salva, nem aquece. Deixa manter os olhos abertos e receber a companhia, nem que seja em silêncio.
Acho que nos esquecemos muitas vezes de respeitar a vida de cada um, aceitar o que cada um é, porque qual de nós sabe o que vai lá dentro? Às vezes nem dentro de nós…
Há olhos que parecem que nem reconhecem a sua própria dignidade. Mas amigo, uma pessoa grande como tu, nem deve recear perdê-la.
Nem esse azul te roubará a dignidade.

2 comentários:

Anónimo disse...

O destino pode ser muito injusto e cruel, mas ter amigos verdadeiros faz toda a diferença. Nao sei o q o futuro me reserva, mas desde já me sinto abençoada por ser um bocadinho de um grande coraçao.Beijinho com muita ternura.

sem naufragar disse...

Pergunto-me muitas vezes: que sentido tem a vida se não tivermos pessoas na nossa vida que nos dedicam um pouco do seu carinho?
Restaria muito pouco de nós.
O teu espaço está cá sempre.
Abraço com carinho e a cheirar a lavadinho,
IF